Era uma vez
uma menina linda! Ela era negra e pobre e morava em uma cidade pequena muito
preconceituosa, que sempre fazia questão de lhe lembrar do quanto era ela excluída
por ser assim (naquela época o tal de bullying comia solto!). Era a mais velha
de trossentos irmãos e se sentia na obrigação de cuidar deles, já que seus pais
eram alcoólatras e também lhe davam essa responsabilidade. Seu primeiro emprego
foi de doméstica aos seis anos de idade. Nem alcançava a pia pra lavar louças
de tão pequena, mas era esperta e aprendia rápido tudo o que as patroas lhe
ensinavam. Várias vezes chegou em casa, fez comida para os irmãos e quando a
mãe chegava bêbada, jogava tudo fora e ia batendo em um por um dos filhos que
não conseguiam correr. Certa vez estavam todos dormindo em uma cama feita de
palha e veio sua mãe, jogou algo inflamável (que não me lembro o nome) em cima
de todos e ateou fogo. Graças a Deus não aconteceu nada com ninguém. Um dia ganhou
de presente da patroa uma sandália de solado de pneu e ela e sua irmã não
tinham sapatos pra ir a escola. Decidiram então fingir que machucaram os pés
pra ir cada uma com um pé da sandália.
Entre tantas
historias algumas tristes, outras engraçadas, ela cresceu e se tornou uma moça
muito bonita que, apesar de ser negra e pobre (isso pra ela era uma desvantagem
nessa cidade) chamou a atenção de um homem muito bonito e bem conhecido na
cidade. Era músico, tocava serenatas, galanteador e bem mulherengo também. Ela
se apaixonou e...engravidou aos 19 anos. Ele era casado. Imagine uma mulher
negra, pobre e mãe solteira! Será que sofreu pouco? O tempo passou, o filho
nasceu e passado um tempo ela resolveu ir morar sozinha, com o ele nos braços.
Não tinha nada, mas trabalhava e tinha muita coragem pra enfrentar a vida, pois
tinha um filho pra cuidar, que até então não tinha o pai muito presente, já que
ele era casado e na época nem registrado em seu nome ele estava.
E a vida
segue, ela ainda continuava a se encontrar com o pai de seu filho que um dia,
depois de sua esposa falecer, suas filhas irem embora e ele se ver sozinho,
resolve ir morar com ela. E depois de idas e vindas, os dois se casaram e
depois de mais um tempo eu nasci. Em outra época, com tudo mais tranquilo,
ainda assim presenciei em minha própria casa piadinhas de irmãos de meu pai
sobre negros, tiravam sarro, davam risada e eu não entendia porque ela não
dizia nada, ou porque meu pai não a defendia. A via sempre na cozinha fazendo o
papel de empregada da casa pra muitos amigos e parentes.
Enfim, hoje,
depois de mais de quarenta anos juntos meu pai está com Alzheimer. Ele não se
lembra dos momentos mais recentes, às vezes não se lembra de nós, anda pela
cidade falando besteiras (que muitos acreditam), às vezes cai na rua, se
machuca e minha mãe às vezes não dá conta de correr atrás dele o dia todo.
Enfim,
depois desse resumo de sua história venho aqui pra dizer o quanto admiro essa
mulher guerreira, que sempre teve esperança de dias melhores, que errou,
sofreu, se apaixonou e pagou por suas escolhas erradas. Vim aqui pra dizer o
quanto a admiro e o quanto quero que seja feliz. Nesse momento ainda existe
muito preconceito de algumas pessoas em relação a ela. Apesar de os tempos serem
outros, o fato dela ser judicialmente casada e de estar ao lado de meu pai nesses
anos todos não é suficiente pra ser merecedora do lugar de esposa. Algumas
pessoas se acham no direito de julgar, opinar e até muitas vezes a atacar
alegando que ela não cuida direito dele. Apesar de isso ser um assunto de
família, mega pessoal, resolvi escrever aqui tudo o que está entalado porque
sei o quanto minha mãe já sofreu nada vida pra simplesmente as pessoas virem
julgar o jeito como ela vive sua vida ou cuida de meu pai. Estou farta de vê-la
triste com tanto preconceito, com tantas humilhações e tenho muito medo de perdê-la
com tanta pressão que sofre.
Hoje era pra
eu vir aqui falar da minha r.a., dos exercícios que não tenho feito, das
besteiras que ando comendo e de ter engordado 5 kg, mas sinceramente a minha vontade
de defender minha mãe e de mostrar o quanto a admiro foi muito maior. Tenho
ficado muito desanimada de ver tudo isso de longe, de morar em outra cidade e
não conseguir fazer nada por ela e pelo meu pai. Oro, oro muito pra que tudo
fique bem por lá e pra que eu também consiga ter forças pra enfrentar meus
problemas. Tenho vivido momentos difíceis e me desanimo muito fácil, mas tenho
muita fé em Deus que tudo vai ficar bem.
Mãe, eu te
amo muito! Seja forte que Deus vê tudo e é justo!
Fiquem com
Deus.
Bjos*
Caraca amiga...isso que eu chamo de lavar a alma. Tudo vai melhorar, cada coisa no seu tempo e tudo no tempo de Deus. Força, fé e foco! Bjão
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